Quando a busca pela ‘mulher ideal’ vira hiperexigência, culpa e exaustão. Como reconhecer o padrão e tratá-lo na clínica.
Há um ponto em que o esforço para ser “melhor” deixa de impulsionar e começa a adoecer. Vejo isso com frequência em mulheres que buscam ser a versão mais eficiente, madura, bonita, equilibrada, produtiva e, ao mesmo tempo, afetivamente disponíveis, inteligentes, leves. A “mulher ideal” é sempre uma mistura de tudo o que o mundo espera e o que ela mesma aprendeu a esperar de si. Mas, na prática, esse ideal costuma ser um padrão inatingível que organiza culpa e exaustão.
Muitas mulheres chegam à terapia exaustas e com a sensação de que nunca é o bastante. O curioso é que, muitas vezes, não há uma queixa clara, há apenas um desconforto silencioso: uma vida que parece certa por fora, mas desgastante por dentro. É quando o ideal deixa de ser referência e passa a ser um sintoma. Sintoma porque impede o corpo de parar, porque mantém a mente em cobrança constante, porque esvazia o prazer.
Esse ideal não nasce do nada. Ele costuma ser construído cedo, por observação e comparação. É o olhar da mãe, a exigência da escola, o medo de desagradar. É o “você consegue tudo” que, sem equilíbrio, vira “você precisa dar conta de tudo”.
Com o tempo, essa mulher aprende que descansar é preguiça, pedir ajuda é fraqueza, errar é falhar como pessoa. E começa a viver num estado de hiperexigência constante, um modo de funcionar que parece força, mas é defesa.
Na clínica, o trabalho não é “desfazer” o ideal, e sim compreender que função ele cumpre. Muitas vezes, ele serve para evitar o contato com o próprio limite, com a frustração, com a vulnerabilidade. É mais fácil tentar ser perfeita do que sentir o medo de decepcionar. A exigência passa a ser um escudo e por isso ela é tão resistente.
Quando esse padrão começa a se desorganizar, surgem sensações que costumavam ser negadas: cansaço, raiva, tristeza, vazio. O que o corpo tenta mostrar é que já não há mais espaço para sustentar o ideal. É nesse ponto que o processo terapêutico ajuda a mapear o critério que define o “bastante”, a distinguir o que é valor próprio do que é exigência herdada, a devolver o corpo como medida de realidade.
Ser uma mulher “suficiente” e não ideal é um exercício de coragem. Não se trata de desistir de crescer, mas de crescer sem se violentar.
De reconhecer que a inteireza não está em acertar, e sim em poder existir inteira, inclusive nas partes que não encaixam.
O ideal aprisiona. o limite, quando respeitado, liberta.